A Previdência Social de MS

                                                                                             
 
Por Jorge Oliveira Martins

Publicado 5 de abril de 2017

 
 

A Assembleia Constituinte, eleita em 1986, elaborou as regras da previdência social sob a orientação de um paternalismo exacerbado, em que cabe ao Estado prover a subsistência de seus cidadãos. Assim, em 1988, foi promulgada a Constituição Federal, redigida com a preocupação muito mais voltada a assegurar o acesso de diferentes grupos e categorias aos recursos transferidos pelo Governo, do que a viabilização de fontes financiadoras permissivas ao atingimento desse objetivo.

A Carta de 1988 foi edificada à sombra de uma herança cultural do regime de repartição, fruto, de um lado, da dilapidação das reservas capitalizadas pela antigas caixas e institutos, e de outro, da obrigatoriedade do Estado em proporcionar aos cidadãos os meios de sobrevivência. Conseguintemente, a agenda político-econômica brasileira esteve, em inúmeras ocasiões, compromissada com a necessidade de reformar o sistema previdenciário, estabelecido na Constituição de 1988. Estamos no limiar de uma nova reforma da previdência, embasada nos mesmos fundamentos.

A nova reforma, formulada em um contexto de ajuste fiscal, almeja a estabilidade financeira dos regimes previdenciários, geral e público, através de mecanismos propiciadores de acúmulo de recursos monetários e redução de despesas geradas com a concessão de benefícios. O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) conta com receitas permanentes, originárias das contribuições dos empregados e empregadores, como também das contribuições sobre: a renda bruta das empresas (COFINS); o lucro líquido (CSLL); e a renda líquida de concursos de prognósticos (loterias). Distintamente, o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) possui como fontes de recursos permanentes para sua operação, tão somente, as contribuições dos servidores e dos órgãos e entidades públicas dos entes instituidores e as resultantes de suas aplicações no mercado financeiro.

As despesas serão reduzidas com os novos limites de idade e de tempo de contribuição, objetivando o tempo de permanência do segurado em atividade e, consequentemente, concorrendo para a formação do montante de recursos designado à cobertura das obrigações financeiras dos regimes. Na previdência dos servidores públicos serão adotadas medidas como: a) limite de remuneração para cálculo do provento de aposentadoria semelhante ao RGPS; b) critérios de pagamento de pensão, com a criação de cotas por dependentes; c) extinção da reversão de cotas e limite de duração de pagamento vinculado à idade do dependente; e d) revisão dos tempos de serviço e de contribuição das aposentadorias especiais.

A reforma da previdência vislumbra mudanças no regime previdenciário de Mato Grosso do Sul, atualmente alicerçado em bases assentadas nas decisões dos Governos anteriores, onde ambicionaram criar mecanismos para preservação do equilíbrio financeiro, que contemplassem o custeio dos benefícios futuros e cobertura às aposentadorias e pensões concedidas pelos Poderes e órgãos independentes, ao abrigo da conta do Tesouro Estadual e do antigo instituto de previdência.

Os servidores sul-mato-grossenses tiveram a sua previdência social formatada, em conformidade aos termos definidos na Reforma da Previdência, aprovada pela Emenda Constitucional (E.C.) nº 20/1988, somente no ano de 2001, e em 2005 é que foram incorporadas as alterações derivadas da E.C. nº 41/2003. Portanto, até dezembro de 2000, o regime previdenciário público não recebia contribuição para pagamento das aposentadorias dos membros dos Poderes, servidores efetivos e militares. Na época, as contribuições eram retidas e repassadas, unicamente, para cobertura das pensões aos dependentes e serviços de assistência à saúde.

A modernização da previdência social estadual delongou, cerca de oito anos, mesmo tendo a exigência de contribuição pelos servidores já sido autorizada desde 1993, com a E.C. nº 3. Esse atraso concorreu para ampliar, de forma progressiva, o déficit financeiro e atuarial retardando a implantação de um sistema contributivo forte e garantidor do custeio de benefícios futuros e das aposentadorias mantidas com recursos próprios.

Com a implantação do MSPREV, concretizaram-se os mecanismos para que os membros da Magistratura, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Procuradoria Geral do Estado, detentores das maiores remunerações em relação aos servidores de carreira, viessem a contribuir sobre os seus ganhos mensais. A equidade do sistema é afetada, também, pela inclusão dos Policiais e Bombeiros Militares nesse regime, em virtude de estes alcançarem a inatividade, seja na modalidade Reforma ou Reserva Remunerada, com menor tempo de contribuição, em relação ao funcionalismo civil.

O equacionamento financeiro da previdência é prejudicado, ainda, pelo pagamento das aposentadorias aos segurados do MSPREV que, à época da E.C. nº 20/98, se encontravam trabalhando ou percebiam benefícios sem quaisquer laços contributivos. Esses beneficiários não fomentaram a formação da reserva financeira para a manutenção de seus benefícios, em valor integral e correspondente à última remuneração, bem como para a obtenção da paridade constitucional, em decorrência de revisão de vencimentos e vantagens.

O sistema previdenciário de Mato Grosso do Sul possui uma organização singular e um funcionamento complexo, porque detém como única entidade gestora a Agência de Previdência Social - AGEPREV -, e é operado com a participação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como também, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública, condição esta sustentada pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional que determinam a descentralização na concessão dos benefícios previdenciários e conferem aos titulares dos Poderes e órgãos independentes a competência privativa para a emissão dos atos de vacância por aposentadoria.

Hodierno, opera-se na forma dos regimes de capitalização e repartição, estando, conforme a segregação de massas, consolidados, respectivamente, nos Planos Previdenciário e Financeiro. No regime de capitalização, os benefícios de cada cidadão são custeados pela capitalização prévia dos recursos das próprias contribuições realizadas ao longo da vida funcional ativa. Já, no regime de repartição, as aposentadorias dos inativos e demais benefícios são financiados por quem está contribuindo, naquele momento, consequentemente os atuais contribuintes terão suas aposentadorias financiadas pelos ativos da geração seguinte.

Com a reforma que se aproxima, existirá uma única modalidade de aposentadoria voluntária, como no RGPS, quando se exigirá os requisitos de 65 anos de idade, 25 anos de contribuição, 10 anos no serviço público e 5 anos no cargo efetivo, tanto para o homem como para a mulher. Prevê-se, ainda, que a transição para os atuais segurados será aplicada aos servidores com idade igual ou superior a 50 anos (homens) ou 45 (mulheres). Destarte, estima-se que os tesouros públicos não sejam mais conclamados a cobrir déficits previdenciários, em detrimento das áreas sociais carentes de recursos.

A repartição das obrigações entre servidores e o Tesouro Estadual, para a acumulação de recursos financeiros indispensáveis à solidez do sistema previdenciário sul-mato-grossense, está proporcionalizado em 11% dos segurados e 89% dos cofres públicos, recolhidos em nome dos órgãos e entidades do Executivo, dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Defensoria Pública. Contudo, antes de alterar essa equação para se atingir o ajuste fiscal e a consistência atuarial, pretende-se desenvolver, experimentar e implementar outras medidas administrativas, em especial:

  • Revisão da legislação, independentemente da tramitação da reforma em discussão no Congresso Nacional, com a implementação das atividades do Comitê de Normas Previdenciárias, criado pelo Decreto nº 14.555, de 06.09.2016, executando a revisão das regras atuais, vigentes desde 2005, no intuito de atualizá-las e ajustá-las aos mandamentos e alterações provenientes da nova Emenda Constitucional;
  • Realização de estudos para apreciação do déficit financeiro do regime previdenciário de MS, primando pela redução de despesas e ampliação de receitas;
  • Implantação de procedimentos que imponham maior rigor nas concessões de aposentadorias, pensões, auxílio invalidez, isenção de imposto de renda e auditoria nos benefícios continuados, para monitorar e suprimir pagamentos em desacordo com as bases contributivas e a legislação em que se rege;
  • Incorporação ao cadastro geral de segurados e beneficiários do MSPREV dos resultados do Censo Previdenciário de 2016, realizado sete anos após o último levantamento, e criação de regulamentação que ampare a obrigatoriedade do Censo Anual, com respostas dos segurados e dependentes, no mês de aniversário, diretamente na Instituição Financeira pagadora do benefício;
  • Institucionalização da previdência complementar, conforme previsto no §14 do art. 40 da Constituição Federal, que será compulsória a partir da aprovação da E.C. da reforma, permitindo reduzir o déficit financeiro do sistema previdenciário e restringindo a transferência de recursos do Tesouro Estadual, a título de aporte, para custeio do MSPREV. Essa modalidade impõe teto para os proventos de aposentadoria e pensões, similar ao INSS, minorando a contribuição dos entes públicos para o regime e favorecendo a definição de política salarial, vez que o Estado deixa de transferir ganhos remuneratórios de servidores ativos para inativos, e estes passam a ter seus proventos revistos de acordo com a rentabilidade das aplicações do Fundo de Capitalização;
  • Recuperação das contribuições recolhidas à entidade previdenciária do Estado de Mato Grosso, tanto pelos servidores redistribuídos em janeiro de 1979 quanto pelos incorporados ao quadro de pessoal do Estado de Mato Grosso do Sul, durante o primeiro ano de sua implantação, pois são créditos da previdência sul-mato-grossense, conforme parágrafo único do art. 26 da Lei Complementar nº 31, de 11 de outubro de 1979 (Lei da Divisão);
  • Reorganização do sistema médico-pericial, mediante implantação de novo modelo de gestão para a avaliação da capacidade laborativa dos servidores, nas admissões, nas licenças por motivo de saúde, reabilitação física, na readaptação profissional e aposentadoria por invalidez, privilegiando métodos e procedimentos da perícia médica oficial, a fim de abreviar o volume de ausências com pagamento de benefícios, e a antecipação da inatividade por invalidez quando não há montante de contribuição compensatório ao pagamento dos proventos;
  • Cobrança regular e recuperação dos valores da compensação financeira devida pelo INSS, pertinentes às contribuições efetuadas ao RGPS pelos segurados aposentados pelo RPPS, conforme previsto no §9º do art. 201 da Constituição Federal. Os recursos da compensação financeira são vinculados à contagem recíproca do tempo de serviço e ao cômputo, por um regime, do tempo de contribuição certificado pelo outro, para fins de aposentadoria;
  • Monetização de ativos destinando as resultantes em aportes ao MSPREV, visando o equilíbrio financeiro e atuarial do regime. Aspira-se a modelagem de uma estrutura sistêmica que possibilite a estabilidade do RPPS, além de colaborar com a manutenção da higidez financeira e atuarial do regime previdenciário do Estado. Os ativos são identificados como bens imóveis, créditos da dívida ativa, royalties e outros recebíveis potenciais, como ações de empresas, concessões, compensações e cooperações.

As medidas elencadas serão implementadas consubstanciando a concretização da sustentabilidade financeira do RPPS de Mato Grosso do Sul, por intermédio da realização de procedimentos que resultarão em soluções de curto e médio prazos ao déficit financeiro e atuarial do sistema previdenciário. A principal ação a ser efetivada são os estudos de aferição quanto a necessidade ou não de elevação das alíquotas de contribuição previdenciária, do servidor de 11% para até 14% e a patronal de 22% para até 28%.

O cerne da questão é que a agenda do processo de reforma previdenciária não deve desfocar de seu objetivo precípuo, no longo prazo, onde se prima por um cenário fiscal, relativamente confortável e sem carência de aportes dos tesouros públicos, pois estes impactam em redução de recursos para outras prioridades sociais.

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*JORGE OLIVEIRA MARTINS

Economista, Contador, Administrador e especialista em Administração Pública, ocupou diversos cargos e funções, tanto na Prefeitura da Capital, como no Estado de MS. Dentre eles: Secretário de Estado de Planejamento, Secretário de Estado de Administração, Diretor Geral do Instituto de Previdência de MS, Secretário Municipal de Administração, Secretário Municipal de Planejamento, Coordenador de Escola Superior de Controle Externo do Tribunal de Contas de MS, eleito Administrador Emérito 2005 pelo CRA e Vereador da Capital por dois mandatos.

 

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